quarta-feira, 30 de julho de 2008

"Prioridade é arrumar a casa", diz Antonio Grassi
Entrevista a Israel do Vale
03/05/2003

Teatros fechados, metade do número original de funcionários, menos de 18% do orçamento disponível para a atividade fim. Diante da situação em que se encontra a Funarte (Fundação Nacional da Arte, órgão vinculado ao Ministério da Cultura), a prioridade do seu novo presidente, o ator global Antonio Grassi, é arrumar a casa até o final do ano: colocar os equipamentos para funcionar, formar um quadro de funcionários mais adequado às necessidades da entidade e iniciar uma articulação com as demais instituições vinculadas ao MinC. Leia abaixo entrevista com o ator, para quem a Funarte é o ?braço executivo do Ministério da Cultura?.

Qual foi o quadro que você encontrou quando assumiu a presidência da Funarte? Fala-se que houve um desmonte absoluto.
Acho que a Funarte é um exemplo muito claro desse desmonte dentro do próprio Ministério da Cultura. Para se ter uma idéia, todos os teatros da Funarte no Rio de Janeiro estão fechados, todos. Esse esvaziamento veio acontecendo ao longo dos últimos anos e se evidenciou mais recentemente, até com o próprio sombreamento que o Ministério fez ao criar as secretarias temáticas.

Hoje há, por exemplo, uma Secretaria de Música e Artes Cênicas, ao mesmo tempo em que a Funarte tem a sua a coordenação de música, teatro, dança, circo... Tem a Secretaria do Livro e Leitura e a Biblioteca Nacional, com programas parecidos, então vira um duelo dentro do próprio governo _isso não tem o menor sentido. É uma coisa tão estapafúrdia que hoje o nosso secretário-executivo Juca [Ferreira] brincou que, quando ele recebe algum projeto, às vezes não sabe para onde mandar, porque é tanta área sobreposta...

Há quanto tempo os teatros cariocas estão fechados?
O Teatro Dulcina foi passado para a prefeitura em 2001, e continua fechado. O Teatro Cacilda Becker foi fechado no início deste ano, pois está com problemas de cupim. Este talvez a gente consiga reabrir logo. O Teatro Glauce Rocha também está fechado desde o final do ano passado. São problemas estruturais que têm a ver com reforma, verba, orçamento, e a gente está agora nessa batalha de pôr a casa em dia.

São quantos teatros no Rio?
No Rio tem o Glauce Rocha, o Teatro Duse, que é a casa Paschoal Carlos Magno, o Teatro Cacilda Becker, o Teatro Dulcina, a Escola Nacional de Circo, a Aldeia de Arcozelo. Tem também o Centro de Documentação, Centro Técnico de Audiovisual e Centro Técnico de Artes Cênicas e o de Preservação Fotográfica. Além disso, tem o Museu do Folclore e alguns programas especiais como o Arte Sem Barreiras, para deficientes físicos.

Em Brasília, nós temos a sala Plínio Marcos, que é um teatro maravilhoso que precisa ser acabado _ não tem equipamento de luz ainda_ e a Sala Funarte, que nós estamos transformando em Sala Cássia Eller, pois foi lá que ela começou a carreira. Em Brasília tem um movimento de rock muito forte e a gente integrar a Funarte também com a produção local.

Qual o orçamento da Funarte?
O orçamento deixado pela gestão anterior é de R$ 28 milhões, sendo R$ 15 milhões para pessoal e encargos, R$ 8 milhões para a área meio (conservação, elevador, vigilância, etc) e R$ 5 milhões para a área fim.


São quantos funcionários no Brasil todo?
A Funarte, que tem na sua origem quase 700 funcionários, hoje tem 357. Há um déficit de servidores porque durante esse período não houve concurso público para substituição desses quadros, foram proibidas as contratações e também os estagiários deixaram de existir. Então, hoje os funcionários estão numa faixa etária acima de 45 anos, quer dizer, a Funarte é uma instituição que está ficando velha. Então, nós precisamos injetar um gás, trazer de volta os estagiários, pensar em abertura de concurso público, com um plano de carreira _ não dá para fazer concurso em aberto para servidores públicos.

Contratar mais gente não é comprometer mais ainda a verba que já é pequena?
O remendo que vem sendo feito é, por exemplo, a terceirização. Então, contratam através de licitação um grupo de servidores para determinadas funções. Assim vinha sendo feito.

Qual a sua prioridade hoje na Funarte?
Acho que a prioridade mesmo é tentar arrumar a casa em todos os sentidos, tanto no caso dos servidores como dos equipamentos culturais. E também no sentido da reestruturação do Ministério com as vinculadas (instituições ligadas ao MinC, como o Iphan, a Biblioteca Nacional e a Casa Ruy Barbosa) e da recomposição das instituições. Eu tenho pressa. Nós temos equipamentos importantes e quero ver se conseguimos coloca-los em condições mínimas de funcionamento até o final de 2003.

Tem alguma área que precisa ter uma ação privilegiada?
No caso da Funarte o esvaziamento foi em bloco, e eu acho que tem que ser tudo [de uma vez]. A Escola Nacional de Circo da Funarte hoje atende até o Circo de Soleil, que vem aqui, faz audição e leva artistas para lá. Estamos tentando fazer um trabalho integrado com a Bolsa Escola, do Ministério da Educação, colocando o circo dentro do Bolsa-Escola. E acho que nessas parcerias a gente pode conseguir alguma coisa.

Quanto tempo isso vai levar?
Já estamos fazendo alguns programas. Vamos lançar um DVD feito pelo Ctav (Centro Técnico Audiovisual), a custo zero, do Assalto ao Trem Pagador, que foi um marco importante do cinema brasileiro.

Você vê a Funarte conceitualmente como um espaço para gerar reflexão, para produção de eventos ou para recepção de eventos de produtores terceiros?
Basicamente, um espaço que pode proporcionar a reflexão e também a produção da área finalística do Ministério. Eu vejo a Funarte como o grande braço executivo do Ministério da Cultura. O que aconteceu durante esse tempo todo é que ela foi meio que desmembrada do Ministério. Ela é vista até pelo próprio Ministério como alguma coisa de fora.

Mas essa autonomia não é boa?
Essa autonomia favorece a sua agilidade prática, mas ao mesmo tempo deixa o Ministério aleijado, porque a Funarte é um braço dele e para ela é importante que poder executar as políticas públicas do MinC.

Como você espera resolver essa sobreposição?
Na reforma estrutural que nós estamos trabalhando no Ministério, vamos ter que trabalhar essa questão já. A reforma deve ser consciente, conseqüente, mas tem que ser rápida. Não dá para continuar convivendo com o Ministério da forma que está.

O que deve mudar com a reestruturação do MinC?
Principalmente a extinção das secretarias temáticas. As secretarias seriam de formulação, o que fortaleceria a ação das vinculadas. Todos esses órgãos ganhariam mais força se não existisse tanta sobreposição.

A conversa com o ministro Gil neste sentido já vem sendo feita?
Já. Nós avançamos bastante. O próprio Gil foi quem deu o pontapé inicial no trabalho de reforma e já estamos trabalhando bem avançado nesse sentido. O Ministério do Planejamento parece que já aceitou e isso passa pelo Congresso. Está dentro do pacote de reforma do Ministério, da Medida Provisória 103.

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